Por Indio Brasileiro
Em 1997 trabalhava na Folha de S.Paulo e pude acompanhar de perto o caso dos grampos telefônicos que revelaram conversas do deputado Ronivon Santiago com uma voz que o jornal chamou de Senhor X. Nas gravações, Ronivon afirmava ter recebido, junto com outros quatro deputados, 200 mil reais do então governador do Acre, Orleir Cameli, para votar a favor da reeleição e beneficiar Fernando Henrique Cardoso. A denúncia foi investigada pela Comissão de Constituição e Justiça, o que levou os deputados Ronivon e João Maia a renunciarem a seus mandatos para evitar serem cassados.
Duas décadas antes, os Estados Unidos assistiram a renúncia de Richard Nixon depois que o agente do FBI, W. Mark Felt, passou a ser informante do repórter Bob Wodward, do Washington Post, no famoso caso Watergate, que trouxe à tona diversas irregularidades na campanha de Nixon para sua reeleição em 1972, incluindo escutas telefônicas e roubos nos escritórios do Partido Democrata.
A torta de creme de barbear atirada ontem na cara de Rupert Murdoch pelo comediante e ativista Jonnie Marbles é apenas um dos episódios bizarros que mostram como a mídia e a opinião pública têm se mobilizado e se influenciado através das redes sociais em casos como este da luta contra o império do magnata das comunicações.
Em comum, os casos do Senhor X, Watergate e agora de Murdoch têm apenas o uso de informantes anônimos e de grampos telefônicos para apuração de denúncias e escândalos. O que mudou é como os cidadãos têm se engajado em manifestações virtuais para, de fato, interferirem nos rumos de processos judiciais e temas políticos que têm interesse público e que ganham enorme repercussão nos meios de comunicação.
Em tempos de mídias sociais, as passeatas, carreatas e panelaços ganham as ruas a partir de manifestações e intervenções que são viralizadas a partir de publicações no Twitter e eventos organizados pelo Facebook. Pouco antes de lambuzar a face de Murdoch, Marbles anunciou sua peraltice no Twitter e hoje, menos de 24 horas depois, um dos vídeos que mostra a cena digna dos melhores pastelões já tem mais de 560 mil visualizações no YouTube, sem contar, é claro, a enorme audiência nas redes de TV de todo mundo. A reação da mulher de Murdoch, Wendi Deng, que tentou nocautear Marbles, levaram os dois aos trend topics do Twitter na Inglaterra.
O avanço do dono do grupo News Corp para conquistar o total domínio da imprensa britânica já vinha sendo combatido desde março em uma campanha mundial intitulada “Pare Rupert Murdoch”, mobilizada via Web pela rede de ativistas Avaaz.org, que criou um manifesto contra a compra das ações da transmissora de TV por satélite BSkyB.
Após as denúncias dos grampos e mesmo com a desistência de comprar a BSkyB, a rede reforçou sua campanha para receber doações e angariar assinaturas de uma petição para tentar colocar a última pá de cal sobre Murdoch. Até o momento, mais de 92 mil pessoas já haviam assinado o manifesto e 28 mil compartilharam o link no Facebook, onde também é possível curtir uma página com o mesmo nome (Stop Rupert Murdoch), que está com mais de 1,6 mil seguidores.
Em outro ataque cibernético, a suposta morte de Murdoch também foi anunciada em um ataque do grupo de hackers Lulz Security ao site do jornal Sun. Na onda dos protestos, o baterista do Queen, Roger Taylor, também anunciou que irá relançar a canção “Dear Mr. Murdoch“, que já pode ser ouvida no YouTube e será vendida no iTunes nos próximos dias.
Aqui no Brasil, medimos através da ferramenta I-Brands a repercussão da audiência no Parlamento Britânico em blogs, no Twitter, Facebook, no Vimeo e no YouTube em um período de 4 horas e registramos 613 ocorrências, o que não deixa de ser significativo para um tema internacional que para maioria pode ser distante da sua realidade e seus interesses.
Ronivon Santiago e Nixon sentiram na pele a força do Quarto Poder, mas com certeza não imaginavam como, décadas depois, a democracia seria exercida com tamanha fúria por um poder que emana do povo não mais apenas nas colunas de cartas dos leitores ou em berros ouvidos em frente da Casa Branca ou da Câmara dos Deputados, mas através de ataques de hackers, posts, tweets e vídeos on-line que se espalham tão ou mais rapidamente do que a caminhada de multidões pelas ruas. Murdoch, que imaginava controlar a mídia não apenas no Reino Unido, mas nos quatro cantos do planeta, está sentindo que o mouse pode fazer muito mais barulho do que milhões de buzinas e panelas.